Apontado pelo jornal britânico Financial Times como parte de um grupo de quatro líderes mundiais “que ficam à parte enquanto o resto do mundo toma medidas drásticas para acabar com a disseminação da pandemia do coronavírus”, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro tem mais gente ao seu lado além de Alexander Lukashenko, da Bielorússia, Gurbanguly Berdymukhamedov, do Turcomenistão, e Daniel Ortega, da Nicarágua. O grupo, batizado de “Aliança do Avestruz” por Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), guarda semelhanças na forma de lidar com a pandemia e repercute um discurso ampliado por lideranças de extrema direita pelo mundo afora, principalmente na Europa e nas Américas.
Desde 11 de março, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou oficialmente a pandemia de Covid-19, abriu-se uma janela de oportunidade para a extrema direita, em todo o mundo, atiçar o fogo da sinofobia, da xenofobia contra imigrantes em geral e do ódio à esquerda e à globalização, disfarçados por um discurso de defesa da economia nacional. A politização se reflete nas diferenças gritantes entre as maneiras com que fontes oficiais (como a OMS) e esses líderes de extrema direita se referem ao vírus.
Uma análise da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) descobriu vários robôs que estão intencionalmente espalhando desinformação sobre o vírus e a pandemia, fortalecendo ainda mais, entre a direita radical, a crença de que a mídia está “superdimensionando” a importância do vírus.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem compartilhado ativamente informações falsas sobre a Covid-19, bem como dados falsos sobre a mortalidade. Neste fim de semana, enquanto atos pelo fim do isolamento social ocorriam pelo Brasil, os conservadores americanos também organizaram protestos contra os bloqueios. Além do comício “Você não pode fechar a América” em Austin, Texas, no sábado, ocorreram modestas manifestações nas capitais de Nevada, Indiana e Maryland.
Controle de fronteiras
Se, em nome da política, Bolsonaro minimiza os efeitos do coronavírus, outros representantes da extrema direita usam a pandemia para alavancar propostas xenófobas. “Uma das primeiras maneiras de frear a epidemia é evidentemente efetuar o controle das fronteiras, o que [o presidente] Emmanuel Macron se recusa a fazer por razões quase religiosas”, afirmou a francesa Marie Le Pen, possível candidata à eleição nacional em 2022.
O líder do Brexit na Inglaterra, Nigel Farage, foi ao Twitter se pronunciar, no mesmo tom: “Numa crise o conceito de solidariedade, proposto pela União Europeia e os globalistas, não conta para nada. Somos todos nacionalistas agora”, pregou. Na Itália, Matteo Salvini se posicionou logo após o primeiro caso confirmado no país. “Talvez agora alguém tenha entendido que é necessário fechar, controlar, bloquear, blindar, proteger?”, perguntou. Sem base nos fatos, ele vinculou o surto do vírus na Itália à chegada de migrantes africanos, acusando o primeiro-ministro Giuseppe Conte de não defender o país.
O Partido da Liberdade austríaco ecoou os chamados de Salvini e sugeriu que o governo falhou ao não impedir o surto de coronavírus. O Partido Popular da Suíça quer “a adoção imediata de controles rígidos de fronteira”.
Após minimizar as possibilidades de avanço do coronavírus, Javier Ortega Smith e Santiago Abascal, líderes do Vox, terceira força política da Espanha, convocaram manifestações populares em apoio à legenda e sua proposta de quebra das medidas de isolamento social. Uma semana após os atos, a sigla confirmou que ambos haviam sido contaminados pelo vírus.
Neonazistas
O primeiro-ministro da Suécia, Stefan Löfven, um social-democrata de centro-esquerda, tem lidado com o partido dos Democratas Suecos, de raízes neonazistas, que prega o nacionalismo e é contra a chegada de refugiados ou imigrantes. Nas últimas eleições, no fim de 2018, eles obtiveram 17,6% dos votos. Como ocorreu na Espanha, a direita ascendeu ao terceiro lugar no Parlamento sueco.
As Filipinas também registram cenário de conflito. Considerado autoritário por boa parte da comunidade internacional, o presidente Rodrigo Duterte foi beneficiado pelo Congresso com poderes emergenciais para atuar de maneira mais ativa na luta contra o coronavírus. Mas a alta possibilidade de que o chefe de Estado abuse da medida para tomar outras decisões já assusta os especialistas em Direito.
Os chefes de Estado da Hungria e da Bulgária também se tornaram alvos de críticas. Na Hungria, há muito criticada pela erosão do Estado de Direito, o Parlamento concedeu ao primeiro-ministro Viktor Orban o direito de governar por decreto por tempo indeterminado. Uma medida semelhante foi aprovada na Bulgária, mas teve alguns artigos revogados pelos parlamentares por temores de que poderiam prejudicar a economia e ferir a liberdade de expressão no país.
Afronta a valores europeus
Na última sexta, 17, a União Europeia (UE) repreendeu os governos da Hungria e da Polônia por desdenharem os “valores europeus” durante a crise. Orban, pelos novos poderes, e o partido na liderança da Polônia, o ultranacionalista Lei e Justiça (PiS), por planejar uma eleição presidencial em 10 de maio. Alavancado ao poder por uma retórica xenófoba em 2015, o PiS afronta a UE em questões como reformas judiciais, refugiados e mudanças climáticas.
O Fidesz, partido de Orban, está suspenso desde o ano passado do bloco de centro-direita, por criticar a União Europeia e ameaçar a democracia. Desde o começo deste ano, parlamentares do grupo defendem que ele seja expulso, embora analistas temam que isso leve à formação de um novo bloco, de extrema direita, no Parlamento Europeu.
No início da pandemia, Orban havia vaticinado: “Nossa experiência mostra que os estrangeiros trouxeram a doença e ela está se espalhando”. O líder húngaro é visto por Bolsonaro como aliado ideológico. Antes da disseminação do coronavírus, o brasileiro planejava uma viagem oficial à Hungria neste ano. Em 2019, o deputado Eduardo Bolsonaro se reuniu com o premiê húngaro na Europa.
Especialista em relações internacionais, Maurício Santoro, professor de relações internacionais da UFRJ, aponta os ataques à China como outro ponto em comum entre essas lideranças. “Tais insinuações fazem parte das táticas usadas com razoável sucesso pela extrema-direita antiglobalista”, analisa. “Os antiglobalistas defendem os ideais da extrema-direita dos Estados Unidos e de movimentos populistas e nacionalistas da Europa (…) É uma corrente que escolheu a China como sua principal opositora internacional e tem se mostrado muito crítica porque teme e tem muita ansiedade ante a ascensão chinesa no cenário global”.
Mentor dos extremistas
O que estes personagens têm em comum, além do antiglobalismo, do ódio aos imigrantes e de um tipo de nacionalismo que, segundo disse uma vez um dos fundadores da União Europeia, François Mitterrand, significará novamente a guerra, é o americano Steve Bannon.
Arquiteto da ofensiva mundial da extrema direita, que pretende subverter por dentro os sistemas democráticos, Bannon foi marqueteiro chefe na campanha de Trump e depois seu estrategista chefe, até ser demitido em 2017. Também foi consultor da campanha que levou ao Brexit, quando esteve no centro do escândalo Cambridge Analytica, e ajudou a eleger Bolsonaro e outros extremistas de direita pelo mundo afora.
Bannon transformou-se no grande impulsionador dos movimentos de direita dando forma, em janeiro de 2017, a “The Movement”, um organismo que fundou utilizando recursos financeiros de origem não identificada.
O único financiador aberto é o advogado e político belga Mischaël Modrikamen, que define The Movement como um clube de líderes populistas que se opõem à globalização e que pensam que é preciso mais soberania para os Estados nacionais, “de modo que os cidadãos possam ter o controle do seu futuro”.
Em 26 de fevereiro, quando o coronavírus já extrapolava as fronteiras da Ásia, Bannon organizou um jantar em frente à Casa Branca, reunindo políticos para planejar a próxima onda global do populismo de direita. Entre outros nomes da Europa e da América Latina, estiveram lá o britânico Nigel Farage, o eurodeputado francês Jérôme Rivière e Eduardo Bolsonaro. Na reunião, o deputado brasileiro destacou a “ponte” ideológica entre seu pai e Trump, que, segundo ele, compartilha uma agenda e abordagem nacionalista.
Aposta no ‘nacional-populismo’
Bannon declarou à agência de notícias Bloomberg que sua proposta a partir de agora será mais ampla, com a integração de correntes políticas similares de outros continentes além da Europa e as Américas. Em entrevista ao jornal espanhol El País, ele disse que Matteo Salvini e Viktor Orban são os políticos mais importantes da Europa atualmente, e que “Bolsonaro e Salvini são os melhores representantes do movimento nacional-populista”.
O método de Bannon se baseia no uso da comunicação via plataformas da internet, segmentando públicos-alvo por opinião, tendências políticas e intenções de voto. Por meio de disparos em massa de mensagens personalizadas recheadas de informações falsas, as “ fake news“, consegue influenciar e dirigir o voto de suas audiências.
Preocupado com o avanço dos extremistas de direita, o consultor de comunicação Gonçalo Ribeiro Telles lamentou, em artigo no jornal Público, de Lisboa, que a esquerda europeia “só fala para nichos, e deixou de o saber fazer para as camadas sociais mais baixas dos seus países. A extrema-direita está a saber ocupar cada vez mais esse espaço maior”. Um alerta que também vale para o Brasil.
Fonte Agência PT