Do Brasil de Fato - Por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta quinta-feira (7) a execução de pena após condenação em segunda instância. Iniciado em 23 de outubro, o julgamento se encerrou com um placar de 6 a 5 a favor da posição, expressa na Constituição, de que a prisão de um réu só pode ser autorizada após o fim de todos os recursos possíveis, o chamado trânsito em julgado.
Considerada a mais importante deste ano, a decisão poderá resultar na soltura de quase 5 mil pessoas encarceradas sem condenação em definitivo, entre elas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso político desde abril do ano passado.
O STF deverá ainda debater a forma prática como tal entendimento será colocado em ação. Há divergências, por exemplo, se a liberdade deve ser decretada automaticamente pelo próprio Supremo ou avaliada pelos juízes de execução penal caso a caso, podendo converter o cumprimento de pena em prisão preventiva.
Os votos
Na sessão desta quinta-feira – a terceira da Corte dedicada a analisar o tema –, iniciada com um placar parcial de 4 a 3 a favor da prisão após segunda instância, votaram Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da Corte, Dias Toffoli.
Cármen Lúcia reiterou seu posicionamento tradicional em relação ao tema, votando a favor da prisão após condenação em segunda instância.
Gilmar Mendes apresentou voto em que explicou a evolução de sua posição, já que, no passado, votou a favor da prisão em segunda instância e, nesta quinta-feira, consolidou suas críticas mais recentes à medida.
O ministro apontou que suas primeiras resistências à prisão em segunda instância, tal como ela vem sendo aplicada, começaram a se tornar públicas já em 2017. Em sua visão, a decisão de 2016 criava possibilidade de prisão em segunda instância, mas os tribunais inferiores deram caráter obrigatório à medida.
Sendo o único além de Toffoli a citar o “caso Lula”, Mendes, que já se mostrou simpático à ideia de prisão em terceira instância, afirmou que atuação do Superior Tribunal de Justiça no processo do petista também influenciou em sua mudança de posição.
“Caso Lula contaminou a discussão. Isso não contribuiu para o debate racional. Eu posso ser suspeito de tudo, menos de ser petista. Caso Lula mostra como o sistema funciona mal. E eu ainda não estou falando de Intercept. Combate à corrupção deve se fazer dentro dos marcos do devido processo legal”, disse.
Celso de Mello, que votou após Mendes, também foi contrário à prisão após segunda instância. Ele afirmou que, apesar da gravidade da corrupção no país, diretrizes estabelecidas pela Constituição devem ser plenamente observadas, contrariando também alguns argumentos de defensores da medida.
A exigência de trânsito em julgado para execução da pena, explicou Mello, não impede prisões antes do fim de todos os recursos, como nos casos de prisões preventivas.
Dias Toffoli, último a votar por ser presidente da Corte, iniciou seu posicionamento afirmando que a questão técnica nos presentes processos é a adequação das regras do Código de Processo Penal à Constituição.
"Objeto das presentes ações é saber se dispositivo do Código de Processo Penal é compatível com a Constituição. Em julgamentos anteriores, não era esse o debate. "A leitura [do Código Processo Penal] cabe no texto constitucional", afirmou.
Nesse sentido, afirmou que a "vontade dos representantes do povo" estava de acordo com o texto constitucional ao estabelecer o trânsito em julgado como marco. Indicou, por outro lado, que não veria problema caso o Congresso deseje, no futuro, modificar esse momento processual.
O relator do caso, Marco Aurélio Mello, votou contra a prisão após condenação em segunda instância. Na ocasião, ele afirmou que a harmonia entre o Código de Processo Penal e a Constituição é "completa", assim, a prisão só é possível após o trânsito em julgado, ou seja, após o fim de todos os recursos.
Alexandre de Moraes apresentou um posicionamento divergente. Ele apontou que a posição a favor da prisão em segunda instância prevaleceu por vinte quatro anos e teve seu início com a promulgação da Constituição de 88.
Edson Fachin e Luís Roberto Barroso seguiram a posição de Moraes e o primeiro dia de votação encerrou com placar de 3 a 1.
Segundo dia
No segundo dia de votação, 24 de outubro, a expectativa era em torno do posicionamento de Rosa Weber. Isso porque, no julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela questionou o tema.
Na ocasião, a ministra afirmou ser contra a prisão em segunda instância, mas que seguiria a posição majoritária estabelecida em 2016 por se tratar de uma ação referente a um caso específico.
Já o julgamento das presentes ações permite, em sua visão, a possibilidade de mudança na jurisprudência por se tratarem de processos gerais.
“O STF é o guardião da Constituição, não seu autor. Quando o juiz é mais rígido que a lei, ele é injusto. Não fomos investidos de autoridade para declarar inconstitucional a própria Constituição”, disse Weber ao se posicionar pelo trânsito em julgado.
Na mesma data, Luiz Fux votou pela prisão após condenação em segunda instância, ao passo que Ricardo Levandowski se alinhou a Rosa Weber, conformando 4 votos a 3 contra a interpretação literal da Constituição.
Prisão após segunda instância
Prisão em 2ª instância
A maioria dos ministros do Supremo decidiu, em 2016, que a Justiça poderia pedir a prisão de réus cuja condenação fosse confirmada segunda instância. O inciso 57 do artigo 5º da Constituição afirma, entretanto, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Dois partidos, o Patriotas (antigo PEN) e o PC do B, além do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ingressaram com três ADCs.
Como o Código de Processo Penal repete, em seu artigo 283, a regra estabelecida na Constituição – “Ninguém poderá ser preso senão […] em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado” – as ações, julgadas em conjunto, pediam formalmente que o dispositivo do Código seja declarado constitucional.
Ao Brasil de Fato, juristas já qualificaram a prisão após condenação em segunda instância como “violação expressa, clara e frontal” à Constituição e ao Código de Processo Penal e até mesmo como uma interpretação que “viola a lógica” fruto de um “debate vulgar”.