As recentes publicações do site The Intercept Brasil envolvendo o ministro e ex-juiz Sergio Moro têm provocado controvérsias sobre o papel do jornalismo e a atuação dos profissionais da mídia não apenas na crise atual, mas durante toda a Operação Lava Jato, e esse foi o tema de debate na noite da última quinta-feira (11) na sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo. No centro da discussão, o procedimento adotado na divulgação de mensagens e a cobertura da operação que levou à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018.
“Não temos dúvidas de que o site Intercept está fazendo jornalismo ao divulgar mensagens que foram cedidas por uma fonte”, afirmou a presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga. Para ela, o conteúdo revelado até agora mostra relevância, que é determinada pelo interesse público. “Essas mensagens comprovam o que muitos haviam deduzido e denunciado”, acrescentou.
Ela observou que o jornalismo tem uma forma de investigação diferente da policial: as fontes têm papel decisivo e seu sigilo precisa ser preservado. “Glenn (Greenwald, editor do Intercept) e seus colegas não precisam se preocupar em dar explicações sobre a fonte. O sigilo da fonte não é uma proteção para o jornalista ou para o veículo, é para a fonte”, afirmou, lembrando que a quebra do anonimato, em muitos casos, pode significar uma sentença de morte. “Além da fonte, individualmente, é preciso proteger o princípio do sigilo.”
A presidenta da Fenaj considera que a mídia teve “contribuição decisiva” no processo que levou ao impeachmentde Dilma Rousseff em 2016. “Os veículos hegemônicos haviam abandonado o jornalismo para fazer política de oposição. A mídia assumiu esse papel”, afirmou. “A mídia foi decisiva para que o Judiciário agisse dessa maneira.”
Mas, segundo Maria José, o jornalismo continua sendo uma “atividade essencial da democracia” e “tem técnicas para garantir objetividade”. Uma dessas técnicas, apontou, é a garantia do contraditório nas coberturas, e isso não tem ocorrido, na sua avaliação.
“Alguém viu o contraditório na discussão da reforma trabalhista, lá atrás?”, exemplificou, citando ainda a discussão atual sobre a “reforma” da Previdência. Para a jornalista, tanto naquele caso como agora a mídia tradicional não apontou os prejuízos que as mudanças trariam ou trarão aos trabalhadores.
Confiar em quem?
Eleito para a presidência do escritório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em São Paulo, Ricardo Carvalho mostrou ceticismo. “Eu tenho uma dúvida hoje em dia: em quem eu posso acreditar? Em que veículo confiar?”, questionou, enquanto levantava e fazia perguntas ao público. Segundo ele, as políticas das empresas decomunicação não se dão por ideologia, são sempre movidas por interesses comerciais.
Profissional veterano, especializado na cobertura de direitos humanos, Carvalho lembrou de matéria que escreveu no jornal Folha de S. Paulo, ainda na época da ditadura, sobre a divulgação de uma lista de presos políticos, tendo o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns como fonte. Segundo seu relato, antes de ser publicada, a reportagem foi levada para avaliação da direção do jornal, e o então dono da empresa, Octavio Frias de Oliveira (morto em 2007), autorizou a publicação desde que o repórter aceitasse assinar o texto – ou seja, assumir a responsabilidade pela publicação.
Para o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Paulo Zocchi, há “uma crise do modelo de negócio” no jornalismo, e as empresas reagem a essa situação enxugando as redações. Ele defendeu uma “cláusula de consciência” para que os profissionais tenham mais autonomia sobre o que publicam, mas observou que existe um conflito nessa questão, na medida em que a empresa privada mantém o “poder diretivo”, determinando o que sai ou não.
Na plateia, o jornalista e escritor Pedro Pomar defendeu a “democratização” da mídia para quebrar a hegemonia atual. “Tem alguns colegas que foram porta-vozes do golpe e, agora, dessa reforma da Previdência. Tivemos colegas que abandonaram o jornalismo e se tornaram propagandistas do sistema financeiro, arautos da miséria”, acusou.
Jornalista e ativista de direitos humanos, Rose Nogueira defende a atividade como “a profissão mais bonita do mundo” e destaca a informação como um dos direitos do homem. Mas cobrou uma cobertura mais aprofundada por parte da imprensa, dando como exemplo a possível indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada brasileira nos Estados Unidos. “O jornalismo tem de se limitar a registrar isso? Estamos virando registradores”, criticou. Ela também defendeu a cobertura liderada por Glenn Greenwald, manifestando surpresa pelo fato de o caso ter ido parar no Supremo Tribunal Federal. “Se a gente checa a informação e ela é verdadeira, tem a obrigação de publicar. ”
A repórter Mônica Bergamo, da Folha, também faria parte da mesa, mas não participou do debate. Antes do início, os jornalistas fizeram um minuto de silêncio em homenagem a Paulo Henrique Amorim, que morreu na quarta-feira (10).