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Na Justiça dos EUA, conluio como o revelado entre Moro e Dallagnol é punido


Foto (Crédito: José Cruz/Agência Brasil)

Da Rede Brasil Atual - Em artigo publicado no Consultor Jurídico, o advogado Antonio Vieira, mestre pela Universitat de Girona (Espanha) e professor de Direito Processual Penal da Universidade Católica do Salvador, explica que o sistema de Justiça dos Estados Unidos também já se deparou com casos envolvendo troca de mensagens de texto entre promotores e juízes. O sistema de Justiça norte-americano pune severamente episódios em que tais comunicações entre juízo e acusação contaminam o processo e deixam dúvidas sobre o julgamento.

“A percepção de que é necessário anular eventuais condenações (obtidas em processos em que haja um comprometimento da condição de imparcialidade do juiz) e proporcionar aos réus novos julgamentos, por si só, já revela que o sistema de justiça não pode se conformar com essas situações de má conduta dos sujeitos processuais, especialmente quando restem afetados valores essenciais à Justiça”, escreve Vieira.

Segundo ele, as providências no sentido de refazer o julgamento ou punir os envolvidos em “casos de comportamento impróprio” são necessárias para “inibir” casos semelhantes que possam comprometer a credibilidade do sistema de justiça.

“Essas situações caracterizam aquilo que os norte-americanos chamam de ex parte communications, em que a comunicação de uma das partes com o juiz, sem a presença e/ou conhecimento da outra, já pode ter a capacidade de afetar a percepção sobre a imparcialidade judicial e, consequentemente, a higidez dos julgamentos.”

O advogado menciona dois casos. Um deles envolveu “desvio de conduta atribuído à juíza Ana Gardiner e ao promotor Howard Michael Scheinberg”. No caso, ocorrido no condado de Broward (Flórida), em 2007, Gardiner e Scheinberg foram punidos após se descobrir que eles, “secretamente, haviam trocado 949 telefonemas e 471 mensagens de texto, durante o julgamento de um processo em que ambos atuavam”.

“A conduta imprópria” se deu no processo que levou a julgamento um homem chamado Omar Loureiro. Acusado de assassinato, foi condenado à morte, a pedido da Promotoria. Scheinberg e Gardiner negaram a relação das conversas com o processo, mas “a condenação de Loureiro foi anulada e lhe foi assegurado o direito a um novo julgamento”, diz o artigo de Vieira.

Como consequência, a juíza Gardiner foi obrigada a se demitir e se comprometeu a jamais voltar a pleitear o cargo de juíza. Foi processada pela Florida BAR Association “e, por decisão da Suprema Corte do Estado da Flórida, perdeu definitivamente a licença para o exercício de atividades jurídicas”. A decisão é de 2014. Segundo a corte, a conduta da juíza “manchou” todo o processo. E o promotor Scheinberg perdeu a licença para de atividades jurídicas por dois anos.

Antonio Vieira descreve outro caso em que a juíza Elizabeth J. Coker, no Condado de Polk (Texas), teve que se demitir, após acordo, devido a um julgamento criminal no qual ela mandou uma mensagem de texto para o celular da promotora assistente Kaycee L. Jones. Na mensagem, a juíza orientou a promotora, “sugerindo uma determinada linha de arguição a ser utilizada pelo Ministério Público”.

O réu, David M. Reeves, era acusado de agredir um bebê. “No momento em que a promotora Beverly Armstrong interrogava o acusado, a juíza Coker enviou uma mensagem de texto para a promotora assistente Kaycee Jones, na qual tentava ajudar e orientava a atuação da promotoria”, conta Vieira. A “dica” era que “o bebê defecou no acusado”, o que o deixou “furioso”.

“Boa questão”, respondeu a promotora. A promotora Jones não conduzia a acusação e estava “apenas assistindo ao julgamento”, mas passou a orientação à responsável pela acusação. Embora a promotora que fazia a acusação, Beverly Armstrong, não tenha utilizado o sugerido pela juíza, Reeves foi absolvido. Mas a tentativa de ajudar a acusação com mensagens de texto “sem o conhecimento da defesa” rendeu processos disciplinares à juíza Coker e à promotora Jones.

“Como destacou o juiz texano Gary Bellair, o episódio caracterizou uma indiscutível afronta ao sistema adversarial de justiça, que tem na sua base o princípio da imparcialidade judicial”, escreve Vieira. No fim do processo aberto contra a magistrada, “a juíza Coker concordou em se demitir”. Ela foi proibida de voltar a atuar como juíza no Texas.

A promotora Kaycee Jones sofreu punição menos severa “graças ao entendimento de que sua participação foi menos grave”, já que não era a promotora encarregada do caso e pelo réu ter sido absolvido, entre outros fatores.

Segundo Vieira, “os fatos foram suficientemente graves para que se concluísse ter havido quebra da imparcialidade judicial, à medida que a juíza havia se aliado à promotoria para ajudar a obter a condenação do acusado”. Ele acrescenta, no artigo: “episódios como esses — na Justiça criminal dos Estados Unidos, ao menos — estão longe de serem compreendidos como algo que está dentro da normalidade”.

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