Do Brasil de Fato - Mais de 3 mil venezuelanos regressaram ao seu país neste mês, segundo dados oficiais. O Estado venezuelano enviou ônibus e aviões ao Brasil, Colômbia, Argentina, Equador e Peru para repatriar todos os cidadãos que quisessem voltar à terra natal. A força tarefa faz parte do "Plano Volta à Pátria", criado recentemente pelo governo de Nicolás Maduro, após episódios de conflitos e maus tratos contra venezuelanos.
No dia 13 de setembro, quando um grupo regressava a Venezuela, o presidente divulgou uma mensagem em vídeo nas redes sociais. "Depois de sofrer exploração e necessidades no norte do Brasil, produto das campanhas midiáticas contra o país, a Venezuela necessita todos seus filhos", disse.
Na última semana, mais de 100 venezuelanos deixaram Roraima em ônibus fretados pelo governo da Venezuela. Todos os repatriados foram incluídos em programas sociais de combate a pobreza e busca de emprego. O ministro de comunicação Jorge Rodríguez explicou, em coletiva de imprensa, que “o governo recebeu milhares de pedidos para continuar repatriando venezuelanos que emigraram aos países da América do Sul”.
O vai e vem de venezuelanos na fronteira com o Brasil, no estado de Roraima, assim como na fronteira com a Colômbia aumentou nos últimos dois anos. O governo venezuelano afirma que há um fluxo intenso migratório, mas não uma crise humanitária, como defendem os países vizinhos e os Estados Unidos.
Segundo dados divulgados pelo ministro da Comunicação, cerca de 77% das pessoas que atravessam diariamente a ponte internacional Simón Bolívar, que conecta o estado de Táchira na Venezuela com a cidade colombiana de Cúcuta, são colombianos.
Rodríguez recordou que na Venezuela moram mais de 5,6 milhões de colombianos, a maioria refugiados da violência e da guerra civil que afetou a Colômbia nas últimas décadas. De acordo com o governo colombiano, cerca de 870 mil venezuelanos residem no país, a maior parte proveniente da migração dos últimos dois anos.
Migração no Brasil
No Brasil o número é menor - são cerca de 30 mil no país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados no início de setembro. O país, para a maior parte dos venezuelanos, é um lugar de passagem: 127 mil venezuelanos entraram no Brasil entre 2017 e 2018 porém 68,9% desse total seguiram para outros países.
Roraima foi o estado que mais recebeu cidadãos da Venezuela, justamente porque chegam por via terrestre. Nos últimos meses a tensão entre brasileiros e venezuelanos aumentou no estado, o que levou o governo venezuelano a pedir ao governo de Michel Temer (MDB) que garanta os direitos humanos dos cidadãos no Brasil. O ministro da Comunicação da Venezuela afirma que seus compatriotas estão sendo vítimas de uma campanha midiática que tem provocado reações de xenofobia. "O que está sendo revelado é a barbárie contida na xenofobia que os grandes meios de comunicação geraram", denunciou Rodríguez.
O Brasil já recebeu fluxos migratórios maiores que o venezuelano, mas sem que houvesse a formação de grupos organizados anti-imigração, como visto em Pacaraima (RR). Em 2010, o país registrou a entrada de 130 mil haitianos. Em 2015, de acordo com o Ministério do Turismo, 110.983 imigrantes chegaram ao país fugindo da pobreza e da violência, vindos principalmente da África do Sul, Angola, Cabo Verde, Marrocos, Tunísia e Nigéria. A maioria foi para São Paulo.
Entre 2012 e 2017, o Brasil também abrigou cerca de 10 mil sírios, refugiados da guerra. Além dos argentinos que, em 2001, migraram em grande número devido à crise econômica e depois de 2006, atraídos pela valorização da moeda brasileira, totalizando cerca de 6 mil pessoas.
Roraima
A relação entre Roraima e Venezuela é antiga e demonstra uma dependência mútua: há 17 anos, 80% da eletricidade é fornecida por uma estatal venezuelana. Além disso, por anos os brasileiros cruzaram a fronteira em busca de produtos mais baratos, pois na Venezuela eles são subsidiados pelo Estado. Isso é o que relata a moradora de Roraima, Juliana Oliveira, de 28 anos.
“Eu tinha muitos amigos que iam para a Venezuela passar férias, desfrutar das maravilhas do Caribe. Eles também compravam muitas coisas como, tênis, bolsas, roupas de marca. Amavam a Venezuela. Diziam assim: 'nossa, a gente tem um país tão próspero aqui perto da gente, que fornece coisas mais baratas'. Tinham os venezuelanos como irmãos”, afirma a moradora da cidade Rorainópolis.
Juliana Oliveira relata ainda que o comportamento dos brasileiros mudou depois da crise econômica venezuelana. “Certa vez uma pessoa disse uma coisa que me marcou muito. Eu comentei admirada que a nossa energia aqui em Roraima não vem do Brasil e sim da Venezuela. A pessoa disse: ‘é que gente se considera venezuelano’. Então, vi que existia um amor tão grande pela Venezuela e não esperava que esse amor fosse acabar por causa de uma crise”, destaca a brasileira.
A moradora de Roraima diz ainda que acha injusto o tratamento agressivo dado aos venezuelanos. “Acho muito injusto, porque a gente já desfrutou tanto do país deles. As pessoas passeavam, compravam as coisas e hoje o país está em crise. E que nós brasileiros fazemos? Simplesmente viramos as costas. Não vou generalizar, não são todos. Mas é a grande maioria, infelizmente. A Venezuela é um país maravilhoso, mas aconteceu esse crise, que poderia ser aqui também. Nossa atitude deveria ser estender as mãos”.
Juliana é missionária em uma igreja evangélica e conta que as igrejas cristãs estão entre as poucas organizações que prestam ajuda e assistência aos venezuelanos. Fornecem refeições e, em alguns casos, abrigam os imigrantes. “As igrejas são algumas das únicas organizações que ainda ajudam. Não são todas, mas a grande maioria entrega alimentos, arrecadam colchões, cobertores e contribuem com todo esse lado logístico. Em Boa Vista teve uma igreja, Sara Nossa Terra, que construiu até quartos, tipo um albergue, para receber os venezuelanos”, relata Juliana.
Diálogo entre governos
A migração venezuelana no Brasil e os casos de xenofobia na fronteira foram temas de um encontro secreto entre o ministro de Defesa do Brasil, general Joaquim Silva e Luna, e seu homólogo venezuelano, general Vladimir Padrino Lopez, no dia 11 de setembro, na cidade venezuelana de Puerto Ordaz.
Em entrevista a imprensa brasileira, o general Joaquim Silva e Luna falou sobre o encontro. “Eles precisam de ajuda. A diáspora deles tem a ver com embargo econômico que foi colocado lá dentro. ‘Eu quero trazer o meu pessoal de volta, não tenho meios de fazer’, me disse [o ministro Padrino Lopez]. Eu perguntei: ‘Você aceita ajuda?’ Ele aceita tudo”, descreveu o ministro brasileiro.
Falaram sobre a migração, mas o tema principal teria sido o fornecimento de energia a Roraima, pois o governo brasileiro não paga a parcela de US$ 33 milhões de dólares, prevista em um contrato que vigora desde 2001 entre a Eletronorte e a venezuelana Corpoelec. A gestão Temer alega que o pagamento não é feito em razão das sanções econômicas dos Estados Unidos contra a Venezuela, que impede um depósito em dólar. Apesar da dívida, o governo venezuelano garantiu que não haverá corte de energia para o Brasil.
O ex-presidente da Espanha, Luis Rodríguez Zapatero também vinculou a migração venezuelana ao bloqueio internacional, sobretudo no que se refere ao sistema financeiro que impede a Venezuela de fazer pagamentos e receber recursos em dólares, agravando assim a crise econômica. “Como sempre ocorre com as sanções econômicas que produzem o bloqueio financeiro, quem paga não é o governo, mas os cidadãos, o povo. Isso deveria gerar uma reflexão”, disse Zapatero durante o Seminário Ameaças à Democracia e a Ordem Multipolar, que participou em São Paulo, na última semana. Desde setembro do ano passado, o governo dos EUA aplica sanções contra o governo venezuelano, suas contas em dólares do exterior e funcionários do Estado.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira