O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Força Tarefa da Lava Jato em São Paulo, denunciou hoje (27) 14 pessoas acusadas de integrarem uma organização criminosa para fraudar licitações dos lotes 1, 2 e 3 do trecho norte do Rodoanel. Os acusados são agentes públicos da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.), empresa de economia mista responsável pela obra, e funcionários das construtoras responsáveis por esses lotes – OAS, Mendes Júnior e Isolux.
A denúncia aponta que os acusados violaram artigos da lei de licitações, possibilitando vantagem ao contratado por meio de modificação de contrato sem autorização legal e fraudando licitação por meio de superfaturamento, onerando os cofres públicos.
Segundo a denúncia, que é a primeira da Operação Pedra no Caminho, a organização criminosa operou fraudes no trecho norte do Rodoanel entre outubro de 2014 até a deflagração da operação, em junho passado. O trecho norte do Rodoanel é a última etapa do anel viário e ligará os trechos leste, oeste e o acesso ao aeroporto de Guarulhos.
Crimes
Os crimes denunciados começaram com os termos aditivos ao contrato firmados com a OAS em outubro de 2014, que previa a inclusão de serviços de remoção de rochas a céu aberto. Segundo a denúncia, os aditivos se baseavam na “presença inesperada” das rochas que precisavam ser removidos. No entanto, desde o projeto básico do Rodoanel já se sabia que o trecho norte passaria pela rochosa Serra da Cantareira e a condição geológica já era prevista. A remoção das rochas, portanto, já era um custo que compunha os preços previstos para cada lote, concluiu o MPF.
“Os acréscimos indevidos geraram impacto financeiro calculado pelo MPF em torno de R$ 480 milhões, que correspondem ao superfaturamento por meio da manipulação proposital de quantitativos nos contratos” divulgou o MPF, que pede que este valor seja o mínimo para reparação. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), somente os aditivos contratuais geraram um prejuízo de R$ 235 milhões aos cofres públicos.
“Os aditivos incluíram novos serviços, como desmonte de rochas, explosões e escavação para terraplanagem, por exemplo, sob a justificativa de que as condições encontradas nas obras eram mais severas que as previstas na época da licitação. Apesar de a Dersa ter sido alertada em maio de 2016, por meio de um relatório do IPT, de que a presença de matacões e blocos de rocha naquele ambiente geológico era previsível, a empresa seguiu pagando pela remoção de rochas até fevereiro de 2017”, exemplificou o MPF. Apenas com serviços relacionados às rochas, a Dersa desembolsou quase R$ 132 milhões.
Houve ainda subcontratação irregular de serviços. Segundo a investigação, a OAS contratou, em abril de 2016, por R$ 54 milhões, a empresa Toniolo Busnello para a execução da escavação de dois túneis. A terceirização, embora vedada nos editais de pré-qualificação e da licitação, foi permitida pela diretoria da Dersa.
A denúncia diz ainda que o grupo cometeu fraudes em cinco aditivos contratuais, assinados entre outubro de 2014 e setembro de 2015, nos quais houve superfaturamentos, mas que foram celebrados com aparência de regularidade do ponto de vista contábil para não atrair a fiscalização do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Falsidade Ideológica
O MPF ressaltou que o superfaturamento dos contratos era disfarçado por uma prática conhecida como “jogo de planilhas”, que consiste na redução de itens dos contratos para que os valores acrescidos não chamem a atenção. “É com este jogo que as construtoras obtêm lucros exorbitantes nas obras, segundo a denúncia, pois assim recuperam os descontos ofertados para ganhar a licitação”, diz o órgão.
A denúncia imputa a nove dos 14 denunciados o crime de falsidade ideológica já que, em um dos lotes, foi inserida declaração falsa na planilha de serviços e preços ao reduzir as quantidades de execução de concreto projetado. A farsa teria sido montada para evitar “impacto financeiro” e impedir objeção do BID.
Em outro lote, foram reduzidos itens de concreto para túneis também para diminuir o valor
do contrato e evitar objeção do banco que financiou a obra.
Organização criminosa
Os 14 denunciados são acusados pelo crime de organização criminosa, em três núcleos com características distintas: econômico, administrativo e financeiro. Do núcleo econômico da organização participaram os representantes das construtoras Mendes Júnior, Isolux e OAS.
Do núcleo administrativo da organização criminosa participavam dez servidores da Dersa, entre elas o então presidente, Laurence Casagrande Lourenço, que ocupou o cargo até maio de 2017 e o acumulou por um período com a função de secretário de Logística e Transportes do Estado de São Paulo, e o ex-diretor de Engenharia da empresa, Pedro da Silva, de acordo com informações do MPF. Ambos estão presos preventivamente por ordem da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo.
“Atendendo às solicitações das construtoras, os engenheiros fiscais recomendavam sem ressalvas a aprovação das propostas de ajustes indevidos para o gestor do contrato, que também dava seu aval e encaminhava as propostas de aditivos para aprovação da diretoria colegiada”, segundo o MPF.
Já o núcleo financeiro da organização criminosa é objeto de investigação ainda em andamento. “Foram identificadas movimentações realizadas por laranjas em contas de passagem, mediante estratégias de ocultação da origem desses valores obtidos criminosamente”.
Na apresentação da denúncia, a Força Tarefa da Lava Jato em São Paulo pede a abertura de novos inquéritos policiais para apurar especificamente os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, além do pedido para que os funcionários da Dersa sejam afastados de funções públicas que ainda eventualmente ocupem para evitar que voltem a cometer crimes.
Defesa
A defesa de Laurence Casagrande Lourenço disse, em nota, que “nem a Polícia Federal nem o Ministério Público Federal pretenderam apurar os fatos, mas construir uma tese acusatória a partir de premissas falsas e distorcidas e que serviram à deflagração da operação, com a prisão de Laurence” e que sua prisão não tem motivo jurídico.
Sobre os aditivos contratuais relativos à obra, a defesa do então presidente da Dersa diz que, conforme admitem as regras do BID – financiador da obra – a licitação foi feita apenas com o projeto básico, e o projeto executivo ficou pronto depois, o que pode levar a diferenças de quantidades e qualidades de serviços a serem realizados.
Ainda de acordo com a defesa de Laurence, uma Junta de Conflito, composta por técnicos com conhecimento no tema, concluiu em 28 de fevereiro deste ano que os pagamentos relativos aos aditivos eram devidos.
Procurada pela reportagem, a OAS disse, em nota, que não vai se manifestar. A Agência Brasil pediu posicionamento da Mendes Júnior, da Isolux e da Dersa, mas não teve retorno até a conclusão da reportagem.
Rodoanel
O Rodoanel Mario Covas, em construção desde 1998, é um empreendimento viário de grande porte que interliga todas as estradas que chegam a São Paulo e seu objetivo principal é evitar o fluxo de caminhões pesados pelas vias urbanas da cidade. A obra tem aporte de recursos federais por meio de convênio entre o DNIT, a Dersa, o estado de São Paulo e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
O trecho norte, com 44 km de extensão, foi licitado pelo critério de menor preço e subdividido em seis lotes, cujos contratos originais foram orçados com preços variando entre R$ 601 milhões e R$ 788 milhões. As obras começaram em fevereiro de 2013 e até hoje não foram concluídas.
Fonte: Agência Brasil - por Camila Boehm/Edição: Sabrina Craide