A manobra que impediu que a libertação de Lula fosse julgada pelo STF reverberou entre os juristas mais respeitados no país. Após o ministro Edson Fachin decidir arquivar o pedido feito pela defesa do ex-presidente, após decisão do TRF-4, 236 estudiosos, advogados e professores divulgaram um manifesto contra a decisão.
O documento foi ao ar no site do jornal Folha de S. Paulo nesta segunda-feira (25).
A carta “Em defesa da presunção de inocência e contra atos que fragilizam a Constituição” é assinada por nomes de peso como Celso Antonio Bandeira de Melo, Juarez Tavares e as professoras universitárias Weida Zancaner, Carol Proner e Gisele Cittadino. Também subscrevem o manifesto os ex-ministros Tarso Genro e José Eduardo Cardozo.
Eles criticam a pressa de Fachin em tirar o assunto de pauta tão logo o TRF-4 considerou improcedentes os recursos do processos, no fim da tarde de sexta-feira (21). Pouco mais de uma hora se passou entre uma decisão e outra. “Repudiamos as manobras de prazos e procedimentos que adiem decisão sobre o direito de liberdade e as garantias fundamentais que afetam não apenas o réu do caso concreto, mas a vida de milhares de encarcerados no Brasil.”
Outro ponto que chamou atenção foi o descaso com as garantias constitucionais de liberdade e os danos irreparáveis causados pelo encarceramento. “Não há o que possa justificar novos adiamentos sobre matéria que afeta a liberdade de um réu específico ou de milhares de pessoas que podem estar encarceradas injustamente no sistema prisional que aparece entre os mais injustos do mundo.”
O material foi divulgado em primeira mão pela colunista Mônica Bergamo e, segundo a jornalista, será entregue aos 11 ocupantes da corte.
Leia na íntegra:
“Juristas em Defesa da Presunção da Inocência e Contra Atos que Fragilizam a Constituição
Diante da recente –e inusitada– determinação ex officio do Ministro Edson Fachin, divulgada menos de uma hora após o TRF-4 decidir sobre os recursos do processo do ex-presidente Lula, de cancelar o julgamento, pela 2ª Turma, do pedido de liberdade feito pela defesa do ex-presidente, nós, juristas, advogados e professores universitários, comprometidos com a democracia e com as garantias fundamentais, repudiamos as manobras de prazos e procedimentos que adiem decisão sobre o direito de liberdade e as garantias fundamentais que afetam não apenas o réu do caso concreto, mas a vida de milhares de encarcerados no Brasil.
Espanta-nos não apenas a forma anômala da decisão restritiva a direitos prioritários e urgentes –presunção de inocência e danos decorrentes da privação de liberdade– como também por ter partido de um ministro cuja biografia sempre exibiu e professou em defesa da Constituição de 1988 e da democracia, especialmente às vésperas de ser nomeado para compor a corte suprema.
É evidente que o caso a ser decidido vai muito além da liberdade de uma pessoa. Trata-se de a suprema corte dizer sim ou não a uma garantia constitucional de liberdade prevista na Constituição como cláusula pétrea.
Ora, se não cabe mitigar essa relevantíssima garantia constitucional e se o período de cárcere representa dano irreparável, não há o que possa justificar novos adiamentos sobre matéria que afeta a liberdade de um réu específico ou de milhares de pessoas que podem estar encarceradas injustamente no sistema prisional que aparece entre os mais injustos do mundo (acima de 700 mil presos, 40% em regime provisório).
O Brasil, como qualquer sociedade que convive com problemas endêmicos decorrupção, precisa encontrar caminhos de responsabilização que não impliquem a flexibilização de garantias fundamentais, conquistadas como forma de evitar os desmandos autoritários do passado recente e o retorno do estado de exceção.
Não bastasse a negativa da presidente do Supremo Tribunal Federal em pautar três Ações Declaratórias de Constitucionalidade –que dependem, inconstitucionalmente, de seu poder discricionário vem agora o Ministro Edson Fachin proceder manobra regimental retirando de pauta ação que trata de garantia fundamental.
Os juristas signatários esperam que os demais componentes da segunda turma da suprema corte não sufraguem mais este ato discricionário de um membro do Tribunal Maior da República.”
Ministro pela legalidade
Essa tese tem eco também entre membros do Supremo. Em entrevista recente ao canal português RTP, Marco Aurélio Mello voltou a defender que as prisões só ocorram quando se esgotam os recursos em instâncias superiores.
Questionado sobre o caso de Lula, ele afirmou que o entendimento que justificou a prisão do ex-presidente viola a Constituição. “Sem dúvida alguma [viola]. E processo, para mim, não tem capa. Processo, para mim, tem unicamente conteúdo”, disse, em relação à cláusula pétrea do artigo 5º. “Eu não concebo, tendo em conta a minha formação jurídica, tendo em conta a minha experiência judicante, eu não concebo essa espécie de execução”, reforçou.
Fonte: Agência PT de Notícias, com informações de Folha de S. Paulo