Do Brasil de Fato - Os dias de violência política na Venezuela parecem ter ficado para trás. Nas principais cidades do país o clima é de campanha eleitoral, disputa de ideias, discursos inflamados, marchas com candidatos e comícios. Com as eleições presidenciais marcadas para o dia 20 de maio, a política eleitoral se apresenta em sua máxima essência. A data coincide com a escolha dos novos membros da Assembleia Nacional e das Câmaras estaduais e municipais.
A oposição chegou dividida nessa disputa, mas todos os setores estão participando de alguma maneira. Alguns partidos opositores, chamados de G4 (grupo dos quatro: Ação Democrática, Primeiro Justiça, Vontade Popular e Um Novo Tempo), decidiram pelo boicote e não lançaram candidatos, mas seguem em uma campanha para criar uma nova organização política opositora, nomeada Frente Ampla Venezuela Livre.
E se apartando dessa visão, quem disputa a eleição pela oposição é Henri Falcón, o novo principal opositor ao presidente Nicolás Maduro. Candidato pelo partido Avançada Progressista, ele conseguiu um novo aliado na última semana. Trata-se de Claudio
Fermín, que desistiu da candidatura e agora é o novo chefe de campanha de Falcón.
Firmín criticou os partidos que decidiram não participar da eleição. "Os outros, que votam por alguma das candidaturas pouco conhecidas e aqueles que se abstém de votar, não terão nenhum papel nesta decisão histórica", escreveu Claudio Fermín, que é ex-dirigente do Ação Democrática, foi prefeito de Caracas (Município Libertador) e concorreu duas vezes à Presidência, uma delas contra Chávez, em 2000.
Outro líder opositor que segue na mesma crítica é Jesus Chuo Torrealba, atualmente
independente e que já foi secretário-geral da Mesa de Unidade Democrática (MUD), principal coalizão opositora. Torrealba declarou que a divisão entre os partidos opositores pode afastá-los ainda mais dos eleitores. “A oposição está pedindo abstenção dos votos, quando pesquisa aponta que 70% dos venezuelanos diz ter intenção de votar. Isso mostra uma crise”, disse o opositor. A pesquisa de intenção de votos a que ele se refere foi realizada recentemente pela empresa venezuelana Hinterlaces. Além disso, 77% afirmaram que consideram incorreta a decisão das organizações políticas que decidiram não participar do processo eleitoral.
Para Chuo Torrealba, a oposição está dividida em três grupos principais e que se negam entre si. “A ex-deputada Maria Corina Machado diz que seu partido, Vem-te Venezuela, é o único reduto opositor que ainda se mantém. O G4, que agora se apresenta como Frente Ampla, afirma: a oposição somos nós, todos os outros são subúrbios, que estão ao redor.
E Henri Falcón, o único opositor que se inscreveu para ser candidato, diz que todos os demais negam o voto como instrumento de luta. ‘A oposição democrática sou eu, diz Falcón'”. A declaração foi dada na última semana, durante um programa da rádio venezuelana Unión Radio 90.3 FM.
Disputa na direita
Criado em 2012, o Avançada Progressista, que tem como candidato Henri Falcón, é fruto da dissidência de organizações políticas de direita e de esquerda. Esse partido também fazia parte da MUD até recentemente, quando foi expulso por ter decidido participar das eleições presidenciais.
De acordo com o líder opositor, enquanto a oposição estiver dividida não terá suficiente representatividade. “Para o povo venezuelano a oposição só representa uma alternativa se estiver unida”, apontou o opositor independente Jesus Chuo Torrealba. Ele informou ainda que os últimos atos convocados pelos partidos do G4 não tiveram grande adesão. “Convocaram dois atos de rua até agora, um pior que o outro”, avaliou.
Em pequenos atos realizados neste mês em algumas regiões do país, os líderes dos partidos do G4 pediram à população para não sair para votar, de acordo com a imprensa venezuelana. Para Chuo Torrealba, o “duplo discurso” frente à legitimidade das eleições também depõe contra a oposição. “Alguns opositores foram pedir à ONU [Organização das Nações Unidas] que envie uma delegação de observadores internacionais. E logo outros opositores pediram à ONU que não envie delegação, que isso seria legitimar o processo eleitoral. O que é isso? A oposição venezuelana não tem governabilidade nem sobre si mesma”, criticou, durante entrevista à Unión Radio.
Também na última semana, o candidato opositor, Henri Falcón pediu à comunidade internacional que pare de desmobilizar o voto dos eleitores venezuelanos. “Irmãos da comunidade internacional, reconhecemos e necessitamos de sua solidariedade, mas necessitamos que nos ajudem a mobilizar os cidadãos, não a paralisá-los. Os problemas dos venezuelanos os resolveremos com nossa alma, coração, nossa consciência”, publicou Falcón em seu Twitter.
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, recebeu neste mês o deputado venezuelano Julio Borges, do partido Primeiro Justiça, um dos promotores do abstencionismo nessas eleições. Em entrevista à imprensa estadunidense, Borges disse que “pediu a Almagro e a todas as Américas que se pronunciem para repudiar a realização da eleição presidencial no dia 20 de maio”.
Dificuldades do chavismo
Bloqueio econômico internacional, pressão política interna e externa, crise econômica, desgaste natural de um partido que está no poder há 19 anos e divisões dentro do chavismo são algumas das dificuldades enfrentadas pela esquerda venezuelana nessas eleições. Dentro disso, a escassez de produtos é um dos componentes principais que geram um desgaste na imagem do governo.
Dentro desse contexto, a guerra econômica empreendida pelo governo dos Estado Unidos resultou no agravamento da crise econômica da Venezuela, sobretudo no fornecimento de medicamentos. Isso gerou dificuldades cotidianas junto à população, além de desgastar a popularidade do governo. O desabastecimento nas farmácias privadas chegou a 85% dos medicamentos, informou a Federação Farmacêutica Venezuelana (Fefarven).
Um dos fatores que leva a esse quadro é que o poder estadunidense junto à indústria farmacêutica mundial dificulta a chegada de matérias primas para a fabricação nacional neste setor, levando a uma queda de 60% na produção de medicamentos, de acordo com o Ministério da Saúde da Venezuela. Além disso, com a crise do petróleo, o país dispõe de menos dólares para a importação de produtos industrializados.
Já nos supermercados, faltam produtos como carne, açúcar, trigo, farinha, milho, óleo e arroz. No entanto, o governo fornece esses alimentos para as famílias de baixa renda e os trabalhadores assalariados do Estado, também para pequenas e médias empresas. Segundo estimativa do Ministério de Alimentação, o fornecimento estatal de alimentos chega a 40% das famílias venezuelanas. Ainda assim, a escassez afeta a imagem do governo.
Outro fator que influencia e cria desgaste é a violência e a delinquência comum. Segundo uma pesquisa da ONG Transparência Venezuela, 40% dos venezuelanos acreditam que o principal problema do país é o crime comum e 21%, o desabastecimento.
Os casos de corrupção que estão sendo investigados também causaram tensão dentro do governo, sobretudo em relação às últimas prisões envolvendo altos funcionários da petroleira estatal PDVSA, com a participação de ex-ministros de Estado.
A investigação de dirigentes políticos que foram próximos a Hugo Chávez, como é o caso de Rafael Ramírez, que foi presidente da PDVSA por mais de dez anos, provocou uma cisão com esse setor do chavismo. Ramírez nega as acusações de corrupção.
Desde o ano passado, o Ministério Público da Venezuela vem realizando uma empreitada contra a corrupção e o presidente Maduro declarou seu apoio às investigações. Durante entrevista coletiva neste mês, o procurador-geral da República, Tarek William Saab, informou que já foram presos mais de 80 funcionários da PDVSA, dos quais 22 gerentes de altos cargos.
A conjuntura complexa e de intensa disputa, dentro e fora do país, indica uma eleição crucial para o povo venezuelano, que decidirá o seu presidente para os próximos seis anos em menos de dois meses. O próximo mandato começará em janeiro de 2019 e terminará em janeiro de 2025.