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A trajetória do pré-sal: a aposta vira


Foto: Agência Brasil

Dez anos após a descoberta de grandes reservas de petróleo no pré-sal, o Brasil inicia uma nova fase de aceleração do ritmo de exploração e produção de petróleo e gás nessa área. Em 27 de outubro, a Agência Nacional do Petróleo realizará a 2ª e a 3º rodadas de partilha de produção, quando serão licitados oito blocos localizadas nas bacias de Campos e Santos.

Os leilões compõem a atual estratégia do governo federal de vender mais rapidamente os ativos do pré-sal. Antes mesmo dessa nova fase de aceleração, a exploração e produção de petróleo e gás no pré-sal se tornou uma realidade. Do total de petróleo produzido no Brasil entre janeiro e agosto, 48% vieram de 84 poços em campos do pré-sal.

A produção na região saltou de 45 mil bbl/dia em 2010 para 1,2 milhão bbl/dia, ao passo que nas áreas do pós-sal (terra e mar) a produção caiu de 2,015 milhão em 2010 para 1,369 milhão bbl/dia. É uma pequena amostra do que está por vir. Outro destaque positivo do pré-sal são os seus custos decrescentes de extração abaixo de 7 dólares o barril.

As descobertas dos recursos do pré-sal, grande jazida de petróleo localizada abaixo do leito do mar, sob três a quatro quilômetros de rochas abaixo do fundo marinho e se estende do litoral do Espírito Santo até o litoral de Santa Catarina, com aproximadamente 200 mil quilômetros quadrados (como se vê nas figuras a seguir) colocaram o Brasil como um ator potencialmente relevante tanto na posição de produtor quanto na de exportador de petróleo.

Trata-se da maior descoberta mundial dos últimos 50 anos da indústria de petróleo e gás natural. A partir dos anúncios divulgados, estima-se que há cerca de 100 bilhões de barris recuperáveis nos campos do pré-sal, o que colocaria o Brasil entre os maiores detentores de reservas, tais como Venezuela e Arábia Saudita.

A grande quantidade de petróleo recuperável descoberto no pré-sal somente foi possível em virtude (i)

de um longo processo evolutivo de desenvolvimento da capacidade tecnológica e geológica da Petrobrás em atividade exploratória em águas profundas; e (ii) de uma aposta política/estratégica que não se subordinou a uma lógica estritamente microeconômica, pois havia enormes obstáculos tecnológicos e financeiros até a Petrobrás encontrar petróleo no segundo poço perfurado no campo de Tupi (bloco exploratório BM-S-11).

No que tange à questão tecnológica e geológica, o desafio era perfurar poços com profundidade entre 5 mil e 7 mil metros. Até então, a Petrobrás tinha alcançado a profundidade máxima de 1.886 metros (recorde mundial), e procurar petróleo em rochas desconhecidas geologicamente com mais de 120 milhões de anos.

Como lembra João Victor Campos, em meados dos anos 1990, a equipe técnica da Petrobras vislumbrava o alto potencial exploratório na Bacia de Santos. “Conhecedora do potencial dessa área, a

Petrobras, em parceria com outras empresas, arrematou todos os blocos oferecidos na licitação de 2000. (…) No bloco BM-S-10 (onde foi realizado a primeira perfuração do pré-sal) se situava a locação que a empresa havia proposto quando requereu o antigo bloco BS-300 ainda em 1997. (…) A Petrobrás levou cinco anos estudando a tecnologia necessária para essa descoberta ocorrida em 2006”. Ou seja, esse relato comprova um esforço de, ao menos, uma década para resultar na primeiro esforço exploratório na região do pré-sal.

O desafio também era enorme em termos financeiros, em decorrência dos enormes custos de exploração. A Petrobras e seus parceiros no projeto chegaram a desembolsar mais de 100 milhões de dólares no primeiro poço na área de Parati que ainda não havia alcançado o pré-sal.

O alto custo sem êxito exploratório levou a Chevron a desistir do projeto e vender sua participação para a Petrobras e para a Partex (empresa portuguesa). Mesmo não encontrado petróleo nesse poço, que alcançou a profundidade de 7,6 mil metros, custou 240 milhões de dólares e encontrou um enorme reservatório de gás, a Petrobras apostou na continuidade do projeto e perfurou um segundo poço na área de Tupi, onde a operadora encontrou enormes reservas (entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris).

Depois disso, novos poços foram perfurados com êxito, novas reservas foram comprovadas e o pré-sal, de uma aposta, tornou-se realidade.

O diretor de Exploração e Produção da Petrobras à época, Guilherme Estrela, afirmou que a Petrobras não poderia ser guiada apenas pela dinâmica microeconômica/financeira, pois “[…] uma empresa de petróleo tem que correr riscos, tem que ser agressiva na exploração, tem que investir muito e desenvolver tecnologia e conhecimento geológico […]”. Sem isso, as empresas desses segmentos não conseguem controlar o acesso aos recursos que podem se transformar em reservas e, consequentemente, rendas presentes ou futuras.

O enorme potencial (ainda não conhecido plenamente até hoje) da geração de excedente econômico na exploração e produção do petróleo no pré-sal, suscitou uma enorme expectativa a respeito da utilização desses recursos. Quais seriam os impactos da abundância desse recurso natural na estrutura produtiva e nas condições de vida da população?

Para o caso brasileiro ainda não há resposta definitiva. Cabe observar que há muitas experiências históricas em que a descoberta de recursos naturais em abundância não representa uma melhora nas condições de vida da população em geral e ainda provoca a redução da capacidade industrial nacional.

Esse fenômeno é conhecido como “maldição dos recursos naturais”. Isso ocorre em virtude do aumento das exportações de recursos naturais, o que amplia as divisas em moeda estrangeira e implica na valorização da moeda nacional que, consequentemente, reduzirá a competitividade da indústria de transformação nacional, diminuindo a capacidade de geração de emprego e de progresso técnico local.

Isso pode ser mitigado ou revertido por meio da utilização de políticas industriais e de conteúdo local. O Brasil atualmente segue numa direção oposta aos elementos mitigadores dos efeitos negativos da ampliação da exploração e produção de petróleo no pré-sal. O que é muito temerário no médio e longo prazo.

Os principais protagonistas do setor, com forças assimétricas, lutam primordialmente pelo controle do acesso aos recursos do pré-sal e pela apropriação dessa renda petrolífera que está longe de ser pequena mesmo com a redução dos preços internacionais de petróleo, pois, segundo Pedro Parente (presidente da Petrobras), o breakeven (ponto de equilíbrio) do pré-sal hoje é de 30 dólares por barril.

Ou seja, a produção nessa região é viável economicamente com o preço do petróleo acima desse valor. O que chama atenção é que esse mesmo presidente afirmou, em setembro de 2016, que “houve endeusamento do pré-sal”.

Essa afirmativa é no mínimo estranha. Como uma das maiores descobertas mundiais de petróleo deveria ser deixada num segundo plano? O pré-sal suscita interesses das mais diversas empresas petroleiras, inclusive de governos nacionais. O exemplo é que várias delas ingressaram no leilão de Libra (primeira rodada de partilha de produção realizada em 2013) em parceria com a Petrobras e, no recente processo de venda de ativos promovido pela gestão Parente, outras companhias também adquiriram blocos localizados nessa região.

Não há dúvida de que a área do pré-sal possui grande atratividade em virtude do baixo risco exploratório, dos custos de extração competitivo e decrescente, do suficiente conhecimento geológico e da fase inicial de descobertas. As 2ª e 3ª rodadas de licitação evidenciarão isso.

Algumas questões ainda precisam ser melhor explicadas, tais como: Quais os principais atores nacionais e estrangeiros e seus interesses no jogo do controle do acesso e da apropriação da renda petrolífera do pré-sal?

Como as mudanças regulatórias afetarão as rodadas licitatórias, a estrutura produtiva local e, sobretudo, a apropriação das rendas do petróleo?

Quais são as principais características da 2ª e 3º rodadas de partilha do pré-sal e seus principais resultados?

Essas são questões que tentaremos responder nos próximos artigos da série Pré-sal e os interesses em jogo: realidade e desafios.

Eduardo Costa Pinto é professor do Instituto de Economia da UFRJ e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP) da Federação Única do Petroleiros (FUP). E-mail: eduardo.pinto@ie.ufrj.br

Fonte: PT no Senado/Foto: Agência Brasil

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