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Parar e marchar


Fernando Frazão/Agência Brasil

Esta é uma Marcha das Mulheres e ela representa a promessa de um feminismo contra o pernicioso poder da violência do Estado. É um feminismo inclusivo e interseccional que convoca todos nós a resistência contra o racismo, a islamofobia, ao antissemitismo, a misoginia e a exploração capitalista - Angela Davis – marcha das mulheres contra Trump – 21 de janeiro de 2017, em Washington

A Islândia é um pequeno país nórdico que encantou e inspirou o poeta argentino Jorge Luís Borges, que a ele rendeu versos e homenagens.

Há quatro décadas a Islândia foi palco por um dia de um movimento que ainda influencia a luta pela igualdade de gênero em todo o mundo, quando cerca de 90% das mulheres do país aderiram a um movimento de greve, paralisando todas as suas atividades, recusando-se a trabalhar. Milhares abandonaram seus afazeres cotidianos e foram às ruas para reivindicar direitos iguais aos dos homens. Conhecido como o “Dia Livre das Mulheres”, aquele 24 de outubro de 1975 não foi um dia histórico isolado.

Ao oposto, modificou a forma como as mulheres eram vistas no país e ajudou a colocar a Islândia na vanguarda da luta pela igualdade. Não por acaso, foi lá que em 1980, apenas cinco anos depois, Vigdis Finnbogadottir tornou-se a primeira mulher presidente de um país europeu, e a primeira mulher no mundo a ser eleita democraticamente como chefe de Estado. Ficou no cargo por 16 anos. Também foi lá que em 2009, Jóhanna Sigurðardóttir do Partido Social Democrata – separada e lésbica – passaria a ocupar o cargo de primeira-ministra do país, também pela primeira vez.

Os 41 anos que nos separam no tempo nos trouxeram acontecimentos vários no mundo no que tange aos direitos das mulheres. Nem todos a comemorar. Paradoxalmente, aliados ao significativo crescimento da presença feminina no mercado de trabalho e às conquistas sociais, intensificaram-se a violência doméstica, o feminicídio, a exploração econômica, a desumanização e coisificação dos corpos das mulheres. Por outro lado, em vários países, fortaleceram-se movimentos políticos contrários aos direitos das mulheres, civis e de minorias em geral, com representação dentro dos parlamentos e fortificados pelas vitórias de candidaturas aos executivos misóginas como a de Donald Trump, nos Estados Unidos.

Como não poderia deixar de ser, os movimentos de luta feministas também se intensificaram. Em junho de 2015 uma iniciativa de mais de 100 cidades na Argentina, que se espalhou pelo Chile, Uruguai e México, deflagrou o movimento “Ni Una a Menos”, um grito contra o feminicídio que viralizou nas redes sociais e levou multidões às ruas pela vida e contra o machismo que mata.

Em outubro de 2016, as polonesas marcharam vestidas de preto nas ruas de Varsóvia, Cracóvia, Gdansk, Lodz e Breslávia contra um projeto que pretende criminalizar o aborto no país, hoje permitido até a 12ª semana em caso de estupro ou risco de vida a grávida.

Donald Trump conseguiu, em janeiro de 2017, o feito de levar milhões de mulheres às ruas em várias cidades norte-americanas e em capitais do mundo, como Londres e Berlim, nas 24 horas após sua posse como presidente dos Estados Unidos da América, para protestar contra suas expressas intenções conservadoras contra direitos civis e declarações misóginas. Foi considerada a maior marcha contra um presidente norte-americano na história. A pujança das manifestações mostrou uma capacidade de participação ativa e desejo de resistência surpreendentes.

É, portanto, por inspiração histórica e demonstração de força que as marchas e a greve são as ferramentas políticas que nos levam a expressar nossas demandas concretamente neste próximo dia 08 de março de 2017.

São mais de 40 países que se organizam, em que planejamos chamar atenção para a exploração e desigualdade no mundo do trabalho, contra os retrocessos e por mais avanços na agenda dos direitos reprodutivos, pelo fim da violência de gênero, por um empoderamento real e pela visibilidade e inclusão em todos os segmentos.

No Brasil, país com um governo que assumiu por meio de um artificioso golpe parlamentar no qual a misoginia teve um papel significativo, com nenhum compromisso com a agenda de direitos humanos, com a quinta taxa de homicídios de mulheres por razões de gênero do mundo, segundo a OMS, está sendo feito um chamamento coletivo organizacional por um esforço de várias entidades, coletivos e ativistas independentes para a greve.

No Congresso brasileiro, onde diuturnamente são apresentados projetos de retirada de direitos, que possui bancadas organizadas em torno de pautas naturalmente excludentes e de defesa de privilégios, como a ruralista e a evangélica, mais conhecidas, temos a mesma dificuldade de todas as outras mulheres nos seus locais de trabalho: conciliar nosso ativismo com prazos, necessidades e demandas nossas e de outros. E é preciso dizer que embora possamos ser consideradas parte de um grupo privilegiado de mulheres, em maioria branca, incluídas no serviço público federal, encaramos as mesmas resistências que carecem de debates e reflexão com colegas homens, e mesmo entre nós, sobre os alicerces da masculinidade e como ela se apresenta. Portamos o mesmo número de perguntas sem respostas para as contradições comezinhas que nos acometem, e sobre como viabilizar cotidianamente o feminismo que almejamos, capaz de ser inclusivo de todos os contextos sociais. Estamos, como todas, em meio a uma jornada em que buscamos abraçar e influenciar os homens ao nosso redor para que adotem uma noção mais ampla do significado do feminismo, suas metodologias e suas abordagens com relação à militância, postura, percepções.

Na atual quadra histórica presenciamos com desprivilegiada lente de aumento o desmonte dos direitos sociais e trabalhistas arduamente conquistados, com novas legislações diuturnamente aprovadas pelo governo Temer em duas casas legislativas com perfil conservador e com baixíssima representação feminina. Para além disso não há, para nós, um diferenciado lugar de fala. Somos parte desse todo mais que simbólico de buscas, de luta, superação e resistência. E decidimos parar, servidoras e parlamentares. E vamos marchar. Parar e marchar pelos iguais motivos de todas as mulheres do mundo.

As marchas do “Ni Uma a Menos” nos ensinam que não são apenas 235 mulheres assassinadas por ano na Argentina, são mulheres assassinadas pelo ódio do machismo. As marchas das polonesas nos instruem que não é contra um projeto em um determinado parlamento, é em defesa do direito de decidir sobre o próprio corpo. As marchas contra Trump nos educam que não se trata exclusivamente de um presidente misógino dos Estados Unidos, mas do combate a uma forma de ver, pensar e desejar o mundo. A greve das companheiras islandesas nos leciona há 41 anos que o tempo da história é cíclico e sempre podemos reinventá-lo, aproveitando suas melhores lições. As armas contra a superioridade masculina, branca, hetero e patriarcal são muitas e devem ser aprimoradas cotidianamente. As ferramentas para o 08 de março de 2017 estão dadas: parar e marchar.

Tânia Oliveira

Assessora jurídica, 100% direitos humanos, feminista e libertária. “Vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa.”

PT no Senado

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