“Na educação, pode-se divergir, mas jamais fechar portas. Educação é, antes de tudo o chamado à reflexão, à pluralidade, à visão crítica”, afirmou o ministro da Pasta, Aloizio Mercadante, rebatendo as críticas ao tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2015. No último domingo (25), os inscritos no exame foram chamados a discorrer sobre "A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira", o que levou alguns setores conservadores a protestar nas redes sociais contra a “doutrinação” supostamente contida na escolha do assunto.
Em audiência pública na Comissão de Educação (CE) do Senado, nesta terça-feira (27), Mercadante elogiou a escolha do tema da redação e comentou uma questão aplicada no sábado, primeiro dia da prova do Enem, que citava a filósofa feminista Simone de Beauvoir.
Para o ministro, é desejável e oportuno tratar da condição das mulheres na sociedade. “Nós já avançamos muito, mas não na velocidade necessária. Temos uma presidenta mulher, tivemos um ministério, hoje secretaria, para tratar da questão, aprovamos a Lei Maria da Penha e a Lei do feminicídio, mas não é o suficiente”.
A prova do Enem pedia aos alunos que respondessem que movimento social o pensamento de Beauvoir expresso em “O Segundo Sexo”, obra de 1949, teria contribuído para estruturar. “Sobre o tema do Enem, cito Simone de Beauvoir: 'A gente não nasce, mas se torna mulher'. O que se discute [com isso] é a condição histórica da mulher, que não votava até os anos 30 e que era tida como relativamente incapaz, pelas leis brasileiras, até 1962”, explicou o ministro. “Censurar Simone de Beauvoir pode ser chamado de tudo, menos de educação".
Audiência pública Mercadante esteve na Comissão de educação para apresentar as diretrizes e prioridades de sua gestão à frente do MEC, cargo que volta a ocupar depois de um ano e sete meses como ministro-chefe da Casa Civil. Ele já havia sido o titular da Educação entre 2012 e fevereiro de 2014.
Ainda sobre o Enem 2015, o ministro afirmou celebrou o progressivo crescimento de setores antes excluídos, como mulheres, negros, pardos e pessoas com algum tipo de deficiência. Entre os 7 milhões de inscritos. 57% dos candidatos eram mulheres, 58% se declararam negros ou pardos, 10 mil pessoas tinham deficiência visual e 9 mil tinham deficiência auditiva. Em número de inscritos, o Enem é o segundo maior processo de acesso ao ensino superior do mundo, ficando atrás apenas de seu equivalente chinês. “Na China, porém, o aluno só pode prestar o exame uma vez na vida. No Brasil, pode repetir as provas quantas vezes quiser”, explicou Mercadante.
Alfabetização e capacitação profissional Entre as propostas apresentadas por Mercadante aos senadores integrantes da CE está a reestruturação do programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), modalidade da educação básica destinada aos que já passaram da idade escolar sem a oportunidade de cursar ou concluir os estudos no ensino fundamental e no ensino médio. O EJA recebe um investimento anual de R$ 5,6 bilhões, mas apenas uma média anual de 9,4% dos inscritos nos diversos cursos chega a concluir seus cursos.
O ministro acredita que esses recursos do governo podem render resultados mais satisfatórios se o processo de educação regular for associado à educação profissionalizante, garantindo aos alunos, além da formação na grade curricular convencional, também o aperfeiçoamento de capacidades que já empregam no mercado de trabalho ou o aprendizado de uma profissão. Mercadante quer um novo EJA articulado ao bem-sucedido Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), que desde sua implantação, há exatos quatro anos (26 de outubro de 2011), já ultrapassou os 8 milhões de matrículas. “Para motivar a pessoa que já trabalha o dia inteiro a retornar à sala de aula é preciso conjugar os dois tipos de formação, estimular o trabalhador a aprender para crescer na carreira”, afirmou o ministro.
Ajuste fiscal X investimento em educação Mercadante defendeu as metas do Plano Nacional de Educação, aprovado no ano passado, e apelou aos senadores para que garantam no Orçamento os recursos necessários ao setor. “Não adianta só escrever no PNE que a Educação vai receber 10% do PIB, porque o PIB não chega ao Ministério. O que chega são os recursos que os senhores vão designar no Orçamento”.
O ministro considera natural a necessidade de um ajuste fiscal diante das dificuldades econômicas. “A economia é cíclica e temos a responsabilidade de adequar nossos gastos”, afirmou, lembrando que o “desabamento” do preço das commodities, como o petróleo — cujo preço do barril caiu de US$ 110 para US$ 48 — somado aos quatro anos de seca no Nordeste e as consequências imediatas da Operação Lava jato, que provoca retração acentuada em toda a cadeia produtiva de gás e petróleo e na construção civil, exigem cortes de gastos.
“Quando há queda de receita, é preciso ter criatividade, fazer melhor, com mais eficiência, com menos recursos”. Mercadante defendeu a recriação da CPMF como uma alternativa para o financiamento da educação, além da criação do imposto sobre grandes fortunas. “A CPMF é um imposto difícil de sonegar, simples de arrecadar e que alcança o caixa 2 e a informalidade”, defendeu. E alertou: “Só os recursos do pré-sal não serão o suficiente para bancar a Educação”.
Salários e greves Entre os desafios da Educação o ministro citou a necessidade de levar para a sala de aula, em 2016, 700 mil crianças de quatro e cinco anos que estão fora da escola. Além disso, é preciso melhorar a alfabetização e o aprendizado da matemática. Ele lembrou que 22% das crianças brasileiras não leem o que deveriam até 8 anos de idade, 37% não escrevem o que precisariam e 57% não dominam as primeiras contas.
Sobre a valorização dos professores, outra meta do PNE, Mercadante reconheceu que o salário dos educadores ainda é muito baixo, mas lembrou que nos últimos quatro anos a categoria teve um aumento médio de 45%, descontada a inflação. “Eles ainda ganham muito pouco, mas é preciso lembrar que nenhuma outra categoria de trabalhadores teve um aumento dessa magnitude”. Ele também defendeu um pacto que defina novos procedimentos para o exercício do direito de greve dos trabalhadores da educação.
Segundo o ministro, em 2015 já se pode registrar uma média de 60 dias de greve do ensino estadual público, com São Paulo, que teve 93 dias de paralisações, ocupando o primeiro lugar nesse ranking. Nas universidades federais, nos últimos quatro anos, foram registrados oito meses e quinze dias de greve de professores, o equivalente a 17,8% do tempo.
Somado aos períodos de greve de servidores e nos institutos técnicos federais, são R$ 5 bilhões de salários pagos sem trabalho realizado. “E não adianta falar em reposição de aulas, porque não resolve. Precisamos pactuar uma forma de o direito de greve não prejudicar os alunos. Na Saúde, as greves não duram tanto porque as pessoas morrem, sentem dor. Mas será que ignorância também não dói?”.
Fonte e foto: PT no Senado - por Cyntia Campos