Trabalho desenvolvido pelo engenheiro agrônomo Oswaldo Julio Vischi Filho junto à Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, orientado pelo professor Zigomar Menezes de Souza e coorientado pelo professor Reginaldo Barboza da Silva, avaliou a pressão de contato exercida por máquinas agrícolas de colheita mecanizada da cana-de-açúcar com o objetivo de verificar se ela causa compactação adicional no solo do canavial, comprometendo a sustentabilidade e a produtividade.
Embora a colheita mecanizada reduza o custo da operação, e resolva a dificuldade decorrente da falta de mão de obra, gera, por sua vez, outro problema: a compactação dos solos, evidente nos canaviais paulistas e brasileiros. O problema vem tomando rumos preocupantes, inclusive com redução de produtividade das lavouras e prejuízos financeiros ao setor sucroenergético. Evitar ou minimizar os efeitos da compactação do solo é muito mais barato do que arcar com os custos das operações mecânicas necessárias para a quebra da camada compactada, que exigem tratores de alta potência e envolvem grandes gastos de combustível.
Uma das soluções do problema é conhecer a capacidade de suporte de carga dos solos e as pressões sobre eles exercidas pelos maquinários pesados empregados, dimensionando-os de forma a não causarem danos à estrutura física dos terrenos. Com base nesse escopo, o trabalho desenvolvido pelo pesquisador avaliou a capacidade de suporte de carga que pode ser considerada como o limite dos solos avaliados para que não sofram danos irreversíveis em sua estrutura. Essa capacidade de suporte de carga foi então relacionada com as áreas e as pressões decorrentes de rodados dos equipamentos sobre o solo. Essas informações, avaliadas conjuntamente, permitem preservar a estrutura do solo por meio do dimensionamento correto das máquinas e equipamentos a serem utilizados no campo, com vistas à sustentabilidade do cultivo e aumento da produtividade.
O pesquisador acredita que o trabalho, bem como o artigo gerado a partir dele – “Capacidade de suporte de carga de Latossolo Vermelho cultivado com cana-de-açúcar e efeitos da mecanização do solo”, publicado na revista Pesquisa Agropecuária Brasileira, possam contribuir para o aperfeiçoamento de políticas públicas, para o aumento da produtividade se utilizados pelos agricultores e ainda servir de referência para o desenvolvimento de futuros trabalhos, pois são raros os estudos acadêmicos com esse foco para a cultura de cana-de-açúcar no Brasil.
Oswaldo trabalha na Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, atuando, desde 1994, na Coordenadoria de Defesa Agropecuária, onde foi responsável pelo Programa de Fiscalização do Uso e Conservação do Solo no estado. Ele acumula experiência na área de agronomia, com ênfase em manejo e conservação do solo e da água e das leis que regulam seus usos. Ingressou no curso de doutorado da Feagri com o objetivo de encontrar respostas e parâmetros para os graves problemas de compactação que acometem os canaviais brasileiros, diante da constatação de que a intensa mecanização de produção de cana-de-açúcar contribui para a compactação do solo e reduz a produtividade da cultura, como comprovam os relatórios oriundos do setor sucroenergético sobre as últimas safras de cana-de-açúcar no Brasil.
Alcance e importância
Originária da ilha de Nova Guiné, Sudeste Asiático, e introduzida na então nova colônia portuguesa, em 1532, por Martim Afonso de Souza com a finalidade de produzir matéria-prima para os engenhos de açúcar, a cana-de-açúcar (Saccharum spp.) levaria o Brasil à condição de maior produtor mundial. Em decorrência, o país é hoje hegemônico na produção de açúcar, contribuindo com 25% dela e 50% das exportações globais e ocupa ainda, depois dos EUA, a segunda posição como grande produtor de etanol no mundo, em que responde com 20% da produção e 20% das exportações. Trata-se, portanto, de uma cultura importante para o país, que destina a ela 10,5 milhões de hectares, dos quais 5,5 milhões concentram-se no Estado de São Paulo, onde se estende por cerca de um terço da área agrícola. Segundo dados de 2014, a cadeia produtiva do setor sucroenergético (açúcar, álcool e energia obtida pela queima do bagaço e da palha) proporciona ao Brasil 1,2 milhões de empregos diretos e U$ 15 bilhões oriundos de exportações.
Esse quadro mostra o alcance e a importância dessa cultura para o Estado de São Paulo, que tem procurado garantir a sua sustentabilidade. Com efeito, lei estadual, de 2002, que proíbe a queima para a despalha da cana-de-açúcar, prevê a extinção desse processo até 2021 para áreas com declividade inferior a 12% e até 2031 para declividades superiores. Em decorrência ocorreu aceleração da utilização dos processos mecânicos em seu cultivo, particularmente na colheita.
Com o propósito de reduzir ainda mais esses prazos, em 2008, foi assinado pelas secretarias do Meio Ambiente e da Agricultura e Abastecimento do Estado, pela União da Indústria Sucroalcooleira (Unica) e pela Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (Orplana) Protocolo Agroambiental que, dentro do projeto etanol verde, tem o objetivo de desenvolver ações de estímulo à sustentabilidade do setor. Esse instrumento estabeleceu o prazo final para eliminação da queimada de cana-de-açúcar para 2014 em áreas com declives de até 12% e 2017 para as demais.
O que foi feito
A qualidade física do solo está relacionada à sua capacidade de garantir aos sistemas radiculares das plantas condições favoráveis ao seu desenvolvimento. Estas condições estão relacionadas com a estrutura do solo e são determinadas pela disponibilidade de água, aeração, temperatura e resistência do solo à penetração das raízes. A estrutura ideal para o solo é aquela que permite uma grande área de contato entre ele e as raízes, espaço poroso suficiente para a movimentação de água e difusão de gases e resistência que não impeça o crescimento das raízes.
Para o estudo de todas estas características o pesquisador se valeu de dois indicadores clássicos de qualidade: o intervalo hídrico ótimo e a pressão de pré-consolidação, que permitem avaliar o processo de compactação. O trabalho concentrou-se sobre o Latossolo Vermelho, com duas classes texturais, a argilosa e a média, em dois locais distintos de coleta, o canteiro e a linha de plantio, em áreas com seis e dezoito anos de colheita mecanizada. Depois, foram determinadas as interações entre o solo e os rodados dos equipamentos – colhedora de cana sobre esteiras, trator que puxa os transbordos utilizados para o transporte de carga, estudo que se revela inédito em relação a trabalhos similares.
A colheita das amostras e os experimentos com os equipamentos agrícolas foram realizados na usina São Martinho, município de Pradópolis, SP, em que estão presentes os dois solos estudados e predominantes na região de Ribeirão Preto, a que mais produz cana-de-açúcar no Estado.
O autor se propôs a verificar a hipótese de que o processo de compactação e os indicadores derivados da curva de compressão e do intervalo hídrico do solo são influenciados diferencialmente pelo sistema de manejo aplicado à cana crua durante distintos intervalos de implantação em solos de diferentes classes texturais. Os atributos do solo avaliados foram a densidade, porosidade, a sua resistência à penetração, conteúdo de água, estabilidade de agregados, teor de carbono e curva de retenção de água.
O intervalo hídrico ótimo integra o potencial matricial, a porosidade de aeração e resistência do solo à penetração das raízes em um único atributo, possibilitando estabelecer as condições de umidade do solo limitantes ao crescimento das plantas. Por sua vez a pressão de pré-consolidação indica a máxima carga a que o solo foi submetido no passado e relaciona sua densidade com a pressão aplicada. Finalmente, o conhecimento das máquinas utilizadas na cultura da cana-de-açúcar e as interações entre os rodados das mesmas nos solos dos canaviais é importante para que se possa fazer a preservação das suas estruturas físicas. Frise-se que as colhedeiras pesam mais de 18 toneladas e o trator puxa até três reboques, os transbordos, que têm, cada um, 14 toneladas e transportam outras 14 de carga.
Conclusões
Para Oswaldo, os resultados do trabalho confirmam a hipótese inicial de que o processo de compactação e os indicadores derivados da curva de compressão e do intervalo hídrico do solo são influenciados pelos ciclos de manejo com colheita mecanizada aplicada à cana-de-açúcar em solos de diferentes classes texturais, com diferentes tempos de implantação.
Os sistemas de colheita mecanizada alteram os atributos físicos do solo, aumentando a densidade e diminuindo a porosidade total e a macroporosidade, com maior evidência na região do canteiro e nos sistemas com seis anos de colheita mecanizada, embora não provoquem alterações na microporosidade, responsável pela retenção da água.
A colhedora de cana, com mais de 18 toneladas, é a máquina que apresenta maior área de contato com o solo e em decorrência menor pressão de contato e, em consequência, causa menor compactação do solo. O trator apoiado sobre pneus, que pesa quase 15 toneladas, possui área de contato menor e pressão de contato maior. O transbordo com pneus, que carregado pesa mais de 28 toneladas, é o equipamento que apresenta a menor área de contato e em decorrência a maior pressão de contato, o que pode fazê-lo responsável por uma compactação adicional nos canaviais.
Constatou-se, também, que o recobrimento dos solos com palhada aumenta a área de contato rodado/solo, diminuindo a pressão de contato exercida pelos eixos das máquinas.
Entretanto, a capacidade de suporte de carga dos solos estudados, para os sistemas com seis e dezoito anos de colheita mecanizada, está abaixo das pressões de contato aplicadas aos solos pelos rodados dos maquinários agrícolas considerados no trabalho, em que eles definem as condições que devem ser respeitadas para que não haja compactação adicional na área de produção de cana de açúcar.
O autor enfatiza que “os estudos sobre capacidade de suporte de carga e suas relações com as áreas de contato e as pressões de contato das máquinas com o solo precisam ser incentivados com vistas à solução de problemas de compactação que afetam os canaviais”. Ele defende ainda o desenvolvimento de um equipamento que permita avaliar in loco a capacidade de suporte de carga do solo em razão das dificuldades de coleta e preparo das amostras e da morosidade e do custo das análises em laboratório.
Publicação
Tese: “Indicadores físicos e mecânicos do solo sob cultivo de cana-de- açúcar em áreas comerciais”
Autor: Oswaldo Julio Vischi Filho
Orientador: Zigomar Menezes de Souza
Coorientador: Reginaldo Barboza da Silva
Unidade: Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri)
Fonte: UNICAMP